Pastoral Afro Brasileira faz memória aos 137 anos de abolição da escravatura no Brasil

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O dia 13 de maio de 1888 constitui um marco na história do Brasil, com a promulgação da Lei Áurea, que decretou a abolição formal da escravidão no país. Trata-se de uma lei extremamente sucinta, composta por apenas dois artigos: o primeiro declara extinta a escravidão no Brasil; o segundo revoga quaisquer disposições em contrário. Por meio desse ato jurídico, mais de 700 mil pessoas negras foram, legalmente, alforriadas. Contudo, a abolição não se deu como um gesto de benevolência das elites ou da monarquia, mas como resultado de décadas de lutas e resistências protagonizadas pela população negra, tanto escravizada quanto liberta, que por gerações enfrentou a opressão, organizou fugas, formou quilombos, articulou redes de solidariedade e pressionou a sociedade escravocrata rumo à emancipação. Certamente a data é importante, porém não é uma data comemorativa tal como outras datas de importância histórica, mas para a população afro-brasileira é uma data de reflexão sobre a sua realidade social e econômica depois de tantos anos da existência da lei.

No dia 17 de Maio, a Pastoral Afro Brasileira na diocese de Nova Iguaçu realizou a roda de conversa na paróquia Senhor do Bonfim para refletir sobre os 137 anos de abolição da escravatura, com o tema “Reparação: Avanços e desafios pós a Lei Áurea”. O momento foi organizado pra trazer à memória de Luta e resistência da população afro brasileira pela sua sobrevivência, antes e depois da assinatura da Lei que decretou o fim da escravatura. A escravatura foi um dos acontecimentos mais desumanos na história da humanidade, onde a humanidade de um povo foi negada e sua dignidade reduzida ao valor de um objeto. Por trezentos anos o povo negro foi tratado como objeto e instrumento de trabalho para o lucro de brancos (a classe escravista).

Diante da dominação, tortura e morte sofridas, o povo negro nunca deixou de ter a consciência da liberdade, isto fez com que resistisse de várias formas contra a escravização. A história relata que desde a África os negros resistiam à escravização e ao chegar ao Brasil continuava com a luta desejando ser livres como todos os seres humanos, destacam-se os movimentos abolicionistas, mas também a fuga aos quilombos entre outras formas de resistência. Neste sentido, a assinatura da lei Áurea não foi bondade do sistema escravista, mas resultado da luta e resistência do próprio povo negro. A própria lei não fala mais nada além de declarar ilícita a escravidão, não fala do processo de reparação nem indenização pelos danos causados ao povo negro, ao contrário, a história revela que foram os donos de escravos que exigiram a indenização. Em outras palavras, o sistema político não se comprometeu com a população negra escravizada por mais de trezentos anos, não se definiu nenhuma política pública de inclusão desta população, ao contrário, os negros foram jogados nas ruas e nas periferias.

A falta de compromisso com a população negra após a assinatura da Lei Áurea explica a desigualdade social que existe hoje na sociedade brasileira, onde a população afrodescendente vive na miséria, excluída da política, discriminada no campo educacional, enfim, condenada à extrema pobreza. A lei aboliu a escravatura sem garantir direito nenhum ao povo negro, nem direito à posse da terra, nem direito à educação. O resultado foi criação de favelas onde os afrodescendentes vivem concentrados até hoje. Se hoje é evidente que a população em situação de rua tem cor,e essa cor é preta que as favelas são predominantemente negras e que a pobreza no Brasil tem, majoritariamente, rosto negro, isso não é fruto do acaso. Trata-se de uma consequência direta da ausência histórica de compromisso dos sucessivos governos com a população negra, descendente dos homens e mulheres africanos escravizados.

Ao longo dos 137 anos pós a lei Áurea, são marcados com lutas e resistência da própria população afro-brasileira e de muitos grupos e movimentos, tem acontecidos alguns avanços no processo de reparação, como o crescimento, apesar de ser lento, mas importante de número de negros e negras que ingressam em faculdades, aumento de números de negros na política, promulgação de leis que criminalizam o racismo e preconceitos. Mas ainda falta muito, pois o país que tem mais de 50% de pessoas declaradas negras deveria ter mais presença dessas pessoas em todos os âmbitos sociais e políticas se se quer mudar e acabar com a desigualdade existente no país.
O sonho de todos afrodescendentes é que um dia todos os brasileiros tenham os direitos iguais, as mesmas oportunidades e o mesmo tratamento. Se a lei Áurea não se comprometeu com a população negra-brasileira, é o tempo de cada pessoa se comprometer com a construção de um Brasil democrático, onde a pessoa não é tratada segundo a sua cor da pele.

É hora de governantes assumirem sua responsabilidade de promover políticas públicas reconhecendo os erros do passado e promovendo meios de reparação para que a população negra possa sair da miséria onde foi submetida pelo sistema escravista. É hora de mudança de pensar, o negro não é inferior, nem o branco é superior, mas reconhecendo que se a vida fosse comparada à corrida, então os brancos correram trezentos anos, enquanto os negros foram forçados a parar, portanto, deve-se pensar sempre na política de reparação.

Ao fazer memória dos 137 anos da assinatura da Lei Áurea, o povo negro reafirma sua esperança na construção de um futuro melhor. Apoiando-se em Deus Criador, fonte da vida e da dignidade, Deus que ama todos sem acepção de pessoas e que, desde a criação, fez toda a humanidade à sua imagem e semelhança, o povo negro segue firme na luta por um mundo justo, fraterno e igualitário E neste ano Jubilar, o povo negro como peregrino de esperança, celebra sua história escrita nas mãos de Deus e segue lutando e resistindo sem desanimar.

Texto: Padre Wilson Gervace Mtali, IMC