Irmã Filomena: 35 anos de uma vida oferecida em amor à Baixada

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Neste sábado, 7 de junho, a Diocese de Nova Iguaçu faz memória de uma de suas grandes missionárias: há 35 anos, Irmã Filomena Lopes Filha era covardemente assassinada em Belford Roxo, após dedicar sua vida à evangelização através da educação e da solidariedade para com os mais pobres e descartados da Baixada Fluminense. Sua morte não é apenas uma tragédia a ser lembrada, mas um testemunho de fé e de doação integral, que culminou no derramamento de seu sangue como oferta de vida.

A Apóstola da Baixada

Mineira de nascimento — nascida em São Miguel do Anta, em 26 de maio de 1946 — Irmã Filomena chegou à Baixada Fluminense como religiosa da Congregação das Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição de Maria (Bonlanden). Sua atuação foi marcada por uma espiritualidade traduzida em ações concretas e transformadoras. Ela acreditava que evangelizar era também organizar o povo e lutar por dignidade.

Foi assim que se tornou diretora pedagógica do Instituto de Educação Santo Antônio (IESA), em Nova Iguaçu, promovendo uma pastoral educativa que unia fé, consciência crítica e ação solidária.

Mas sua missão ultrapassava os muros da escola. Em Belford Roxo e Nova Iguaçu, liderou mutirões comunitários que ergueram 280 casas populares, creches, postos de saúde e um centro social no bairro da Viga. Era comum vê-la dirigindo seu próprio carro — o mesmo que transportava materiais de construção por ruas de terra batida — enquanto organizava reuniões, acolhia moradores e enfrentava, com coragem, o medo imposto pela violência e pelo abandono do poder público.

Um crime contra a esperança

A ousadia de Irmã Filomena em defender os pobres não passou despercebida aos olhos do crime organizado. Em 7 de junho de 1990, ela foi sequestrada e forçada a dirigir até um local ermo, em Itaipu, Belford Roxo. Lá, foi assassinada com um tiro na nuca. No lugar onde seu corpo foi encontrado, ergue-se hoje uma cruz. Mais do que uma lembrança fúnebre, ela é símbolo do sangue inocente derramado como semente de justiça.

À época, Dom Adriano Hypólito, então bispo de Nova Iguaçu — ele mesmo também vítima de violência por sua atuação pastoral — declarou: “Se a Irmã Filomena não morreu por ódio à fé, foi por ódio à esperança e ao amor que a mão do maligno a sacrificou. Como antes com sua pastoral libertadora, no sentido mais verdadeiro da evangelização, Filomena dá testemunho de Jesus Cristo com a própria vida.”

Um caminho de reconhecimento a uma vida oferecida pelo Reino

Em 2022, durante a Visita Ad Limina ao Vaticano, Dom Gilson Andrade, bispo de Nova Iguaçu, entregou ao Papa Francisco um quadro com a imagem e a história de Irmã Filomena. O gesto foi simbólico: apresentou ao Santo Padre uma semente de santidade germinada na periferia da metrópole fluminense.

Agora, Dom Gilson manifesta outro desejo: trazer os restos mortais da religiosa para a Catedral de Santo Antônio de Jacutinga, como forma de torná-la ainda mais presente entre o povo que tanto amou. O bispo também instituiu uma pequena equipe para dar início a um processo de escuta na Diocese, com o objetivo de colher testemunhos de pessoas que conviveram com Irmã Filomena ou tiveram suas vidas profundamente impactadas por ela.

Oferta de vida

O saudoso Papa Francisco, por meio da Carta Apostólica Maiorem hac dilectionem, de 2017, instituiu uma nova via para a beatificação: a “oferta de vida”. Trata-se da atitude daqueles que, movidos pela caridade (propter caritatem), aceitam livre e voluntariamente uma morte certa e prematura, a fim de seguir Jesus no serviço de amor ao próximo.

É sob esse horizonte que a história de Irmã Filomena Lopes Filha adquire novo sentido. Passados 35 anos de sua morte, somos convidados a refletir sobre o impacto de sua missão e sua entrega radical ao Reino de Deus. Sua vida, seu testemunho e sua missão não pertencem apenas à memória de um povo, mas à própria história da Igreja.

Um legado vivo

Hoje, uma escola no bairro de Itaipu leva o nome de Irmã Filomena. Crianças e jovens que sequer haviam nascido quando ela partiu aprendem que a história da Baixada Fluminense também é feita de mulheres que resistem, constroem e amam.

Irmã Filomena é lembrada como “a Apóstola da Baixada”. Seu testemunho ainda ecoa na Igreja que permanece firme em denunciar as injustiças e anunciar o Reino — com os pés no chão e o coração no céu. Sua entrega foi um ato heroico, motivado unicamente pela caridade, por uma causa nítida: o amor radical aos pobres e a fidelidade incondicional a Cristo.

Sua história não se limita ao passado. Ela interpela o presente — e, quem sabe, poderá iluminar o futuro da Igreja no Brasil, como mais uma de suas santas populares: aquelas que brotam das periferias, do suor do povo, da fé encarnada na luta por justiça. Pois se a santidade é, como afirma o Papa Francisco, “o rosto mais belo da Igreja”, Irmã Filomena já tem seu retrato esculpido no coração do povo da Baixada Fluminense.

Neste 7 de junho, a Diocese de Nova Iguaçu não celebra apenas uma memória, nem chora apenas uma perda: reafirma a certeza de que o sangue de Irmã Filomena — como o de tantos mártires e ofertantes da vida — ainda clama por justiça e floresce como semente de esperança. Nos ensinando a viver nossa vocação como ela viveu, tornando a vida mais bela!